quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

A justiça de Deus e o sexto mandamento.

Depois de esclarecer que Ele veio, não para substituir ou cancelar, mas para cumprir a Lei em toda a sua extensão, e que por isso os Seus discípulos também deveriam estar igualmente comprometidos em obedecer até ao menor dos seus mandamentos, o Senhor Jesus passa a exemplificar como a justiça superior, perfeita, resultante dessa obediência, contrasta com a dos escribas e fariseus.

No mandamento “Não matarás” (Ex 20.13) é importante notar que Jesus não faz alusão direta ao que diz a Escritura, e sim ao que “foi dito aos antigos” – não ao que eles leram como está escrito (Lc 10.26), mas sim ao que eles ouviram.

A referência aqui é àquilo que os escribas e fariseus atribuíam aos “antigos”, sob o nome de “tradição” (Mc 7.3), e a pretexto de serem os únicos intérpretes e fiéis praticantes da Lei (Mt 23.2-4).

No passado, o povo de Israel contava com homens como Esdras, que faziam jus ao ofício de ensinar e interpretar as Escrituras (Ed 7.10; Ne 8.7, 8); mas agora, privando o povo da palavra de Deus, através de suas interpretações elaboradas e tradições, os escribas e fariseus tornaram-se condutores cegos (Mt 15.14; 23.16-22), conduzindo a si mesmos e ao povo para o abismo.

Limitando o escopo da Lei ao seu aspecto meramente exterior e literal, os escribas e fariseus tratavam a transgressão ao sexto mandamento como qualquer outro crime cometido contra a lei dos homens, julgando-o apenas pelo ato consumado do homicídio, e negando a punibilidade de qualquer intenção, tampouco de qualquer pensamento em apoio ao mesmo ato.

Assim podiam descansar confortavelmente na falsa segurança de que estavam cumprindo a Lei, pela aparente obediência à sua forma exterior, ao mesmo tempo em que fomentavam toda sorte de maldade em seu coração (Mt 23.25-27).

E, qual o sacerdote, assim era o povo: os mandamentos citados por Cristo ao longo desse capítulo não são nada mais que uma amostra dos pecados mais corriqueiros daquela nação (Jr 7.9-11).

Contudo, à interpretação dos escribas e fariseus, amparada na suposta antiguidade e autoridade dos “pais”, o Senhor contrapõe a Sua interpretação do mandamento de Deus – não dando um novo significado à Lei, mas expondo o sentido correto e fazendo a aplicação apropriada que ela sempre teve.

Enquanto os escribas e fariseus negavam qualquer outro sentido ao sexto mandamento, além do próprio ato de homicídio, Jesus lembra que a Lei é espiritual (Rm 7.14), e o mandamento, amplíssimo (Sl 119.96).

O contraste, portanto, não é entre Cristo e Moisés, mas entre Cristo, o verdadeiro Mestre do povo de Deus (Mt 23.8), e os falsos mestres que então enganavam ao povo. Como no caso de qualquer outro pecado, a raiz do homicídio está no coração (Mt 15.19, 20), pois é aí que surgem os pensamentos e intenções para todos os tipos de males, contaminando o homem, isto é, tornando-o tão culpado e sujeito a juízo diante de Deus como se tivesse consumado o ato literalmente.

A ira está intimamente associada à transgressão do sexto mandamento, na medida em que é um ressentimento ou ódio pelo próximo, sem motivo, e que pode tanto se exteriorizar em palavras indiretas (“raca” é uma interjeição que expressa desprezo e ódio), como ofensas diretas contra o indivíduo que é alvo da ira, antes de chegar ao próprio ato do homicídio (Gn 4.5-8).

E a própria Lei já condenava tais reações para com o próximo (Lv 19.16-18). De qualquer modo, toda indisposição dessa natureza é considerada carnal e pecaminosa, sendo passível de condenação (Gl 5.19-21; 1 Jo 3.15).

Há uma ira que é santa e justa, que nada tem a ver com ressentimento pessoal, mas que é uma expressão de zelo pela santidade e glória de Deus, quando ofendida pelos homens. Essa ira foi manifestada em Moisés, e no próprio Jesus.
Não sendo por essa razão, a ira é uma obra da carne que o cristão deve mortificar (Cl 3.8), submetendo suas disposições interiores a Deus (Hb 4.12, 13) e atendo-se à prudência e mansidão em seu relacionamento com o próximo (Tg 1.19, 20). Se ele é um verdadeiro cidadão dos céus, diante dos primeiros sinais de ira sem motivo, ele saberá sujeitar seu coração à mansidão e a um espírito pacificador (Ef 4.26-27; Sl 4.4).

Tendo declarado o verdadeiro sentido do sexto mandamento, e o alcance de tudo aquilo que proíbe, o Senhor Jesus passa a explicar o aspecto positivo da Lei de Deus, isto é, o dever implícito na proibição.

Deus não apenas requer a abstenção de certas atitudes ou pensamentos que conduzem à transgressão do mandamento, mas também exige o cultivo de pensamentos e a prática de obras justas, em contraposição ao que é proibido.

Mais ainda, no caso do mandamento em questão, é necessário buscar ativamente a reconciliação, a fim de que o próximo não incorra no pecado da ira.

Para inculcar a necessidade e urgência desse dever, o Senhor usa de duas situações: Na primeira, Cristo ilustra a necessidade da reconciliação e sua prioridade inclusive sobre o culto a Deus, que naquele tempo consistia de sacrifícios e ofertas voluntárias, que o israelita trazia ao altar. De acordo com os ensinos dos escribas e fariseus, tudo aquilo que fosse trazido ao altar no templo certamente seria aceito por Deus, não importando qual fosse a condição do coração (Mt 23.23). Mas o Senhor Jesus ensina que é impossível prestar culto a Deus, esperando ser aceito e perdoado (Mt 6.14), sem antes buscar a paz com o próximo. No segundo caso, o Senhor Jesus ressalta a urgência da reconciliação através de uma comparação, onde o próximo ofendido e irado é como aquele que tem uma demanda em juízo contra nós. 

Chegará o tempo de ambos, ofendido e ofensor, serem trazidos à presença do Juiz (Tg 4.12) para que a causa seja julgada e o ofensor, condenado. Aqui vemos que não apenas aquele que fomenta a ira em seu próprio coração, mas o que suscita a ira no próximo, ambos são réus de juízo, e não há o que se alegar em defesa nem de um, nem de outro. 

A negligência em buscar reconciliação, ou rejeitá-la, quando esta é proposta, levará à eventual exclusão do reino dos céus (Mt 18.15-17).


Ao explicar o verdadeiro sentido do mandamento, Jesus demonstra como a graça proclamada pelo Evangelho e a obediência exigida pela Lei se complementam, na medida em que esta só pode ser legitimamente cumprida se compreendida à luz e no espírito daquela. 

O espírito da Lei perscruta os pensamentos mais profundos e sonda as intenções mais íntimas do coração. Não se pode considerar alguém cumpridor da vontade de Deus, se negligencia as Suas demandas de um comprometimento sincero e integral com a Sua santidade; tal atitude é claramente condenada nas Escrituras como hipocrisia.

* Texto cedido por: EBD – 1º. Trimestre de 2017 ASSEMBLÉIA DE DEUS MINISTERIO GUARATINGUETÁ-SP
AS BEM-AVENTURANÇAS DO REINO”

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