Depois
de esclarecer que Ele veio, não para substituir ou cancelar, mas para cumprir a
Lei em toda a sua extensão, e que por isso os Seus discípulos também deveriam
estar igualmente comprometidos em obedecer até ao menor dos seus mandamentos, o
Senhor Jesus passa a exemplificar como a justiça superior, perfeita, resultante
dessa obediência, contrasta com a dos escribas e fariseus.
No
mandamento “Não matarás” (Ex 20.13) é importante notar que Jesus não faz alusão
direta ao que diz a Escritura, e sim ao que “foi dito aos antigos” – não ao que
eles leram como está escrito (Lc 10.26), mas sim ao que eles ouviram.
A
referência aqui é àquilo que os escribas e fariseus atribuíam aos “antigos”,
sob o nome de “tradição” (Mc 7.3), e a pretexto de serem os únicos intérpretes
e fiéis praticantes da Lei (Mt 23.2-4).
No
passado, o povo de Israel contava com homens como Esdras, que faziam jus ao
ofício de ensinar e interpretar as Escrituras (Ed 7.10; Ne 8.7, 8); mas agora,
privando o povo da palavra de Deus, através de suas interpretações elaboradas e
tradições, os escribas e fariseus tornaram-se condutores cegos (Mt 15.14;
23.16-22), conduzindo a si mesmos e ao povo para o abismo.
Limitando o escopo da Lei ao seu aspecto
meramente exterior e literal, os escribas e fariseus tratavam a transgressão ao
sexto mandamento como qualquer outro crime cometido contra a lei dos homens,
julgando-o apenas pelo ato consumado do homicídio, e negando a punibilidade de
qualquer intenção, tampouco de qualquer pensamento em apoio ao mesmo ato.
Assim
podiam descansar confortavelmente na falsa segurança de que estavam cumprindo a
Lei, pela aparente obediência à sua forma exterior, ao mesmo tempo em que
fomentavam toda sorte de maldade em seu coração (Mt 23.25-27).
E,
qual o sacerdote, assim era o povo: os mandamentos citados por Cristo ao longo
desse capítulo não são nada mais que uma amostra dos pecados mais corriqueiros
daquela nação (Jr 7.9-11).
Contudo,
à interpretação dos escribas e fariseus, amparada na suposta antiguidade e
autoridade dos “pais”, o Senhor contrapõe a Sua interpretação do mandamento de
Deus – não dando um novo significado à Lei, mas expondo o sentido correto e
fazendo a aplicação apropriada que ela sempre teve.
Enquanto
os escribas e fariseus negavam qualquer outro sentido ao sexto mandamento, além
do próprio ato de homicídio, Jesus lembra que a Lei é espiritual (Rm 7.14), e o
mandamento, amplíssimo (Sl 119.96).
O
contraste, portanto, não é entre Cristo e Moisés, mas entre Cristo, o
verdadeiro Mestre do povo de Deus (Mt 23.8), e os falsos mestres que então
enganavam ao povo. Como no caso de qualquer outro pecado, a raiz do homicídio
está no coração (Mt 15.19, 20), pois é aí que surgem os pensamentos e intenções
para todos os tipos de males, contaminando o homem, isto é, tornando-o tão
culpado e sujeito a juízo diante de Deus como se tivesse consumado o ato
literalmente.
A ira está intimamente associada à
transgressão do sexto mandamento, na medida em que é um ressentimento ou ódio
pelo próximo, sem motivo, e que pode tanto se exteriorizar em palavras indiretas
(“raca” é uma interjeição que expressa desprezo e ódio), como ofensas diretas
contra o indivíduo que é alvo da ira, antes de chegar ao próprio ato do
homicídio (Gn 4.5-8).
E
a própria Lei já condenava tais reações para com o próximo (Lv 19.16-18). De
qualquer modo, toda indisposição dessa natureza é considerada carnal e
pecaminosa, sendo passível de condenação (Gl 5.19-21; 1 Jo 3.15).
Há
uma ira que é santa e justa, que nada tem a ver com ressentimento pessoal, mas
que é uma expressão de zelo pela santidade e glória de Deus, quando ofendida
pelos homens. Essa ira foi manifestada em Moisés, e no próprio Jesus.
Não
sendo por essa razão, a ira é uma obra da carne que o cristão deve mortificar
(Cl 3.8), submetendo suas disposições interiores a Deus (Hb 4.12, 13) e
atendo-se à prudência e mansidão em seu relacionamento com o próximo (Tg 1.19,
20). Se ele é um verdadeiro cidadão dos céus, diante dos primeiros sinais de
ira sem motivo, ele saberá sujeitar seu coração à mansidão e a um espírito
pacificador (Ef 4.26-27; Sl 4.4).
Tendo
declarado o verdadeiro sentido do sexto mandamento, e o alcance de tudo aquilo
que proíbe, o Senhor Jesus passa a explicar o aspecto positivo da Lei de Deus,
isto é, o dever implícito na proibição.
Deus
não apenas requer a abstenção de certas atitudes ou pensamentos que conduzem à
transgressão do mandamento, mas também exige o cultivo de pensamentos e a
prática de obras justas, em contraposição ao que é proibido.
Mais
ainda, no caso do mandamento em questão, é necessário buscar ativamente a
reconciliação, a fim de que o próximo não incorra no pecado da ira.
Para
inculcar a necessidade e urgência desse dever, o Senhor usa de duas situações:
Na primeira, Cristo ilustra a necessidade da reconciliação e sua prioridade
inclusive sobre o culto a Deus, que naquele tempo consistia de sacrifícios e
ofertas voluntárias, que o israelita trazia ao altar. De acordo com os ensinos
dos escribas e fariseus, tudo aquilo que fosse trazido ao altar no templo
certamente seria aceito por Deus, não importando qual fosse a condição do
coração (Mt 23.23). Mas o Senhor Jesus ensina que é impossível prestar culto a
Deus, esperando ser aceito e perdoado (Mt 6.14), sem antes buscar a paz com o
próximo. No segundo caso, o Senhor Jesus ressalta a urgência da reconciliação
através de uma comparação, onde o próximo ofendido e irado é como aquele que
tem uma demanda em juízo contra nós.
Chegará o tempo de ambos, ofendido e
ofensor, serem trazidos à presença do Juiz (Tg 4.12) para que a causa seja
julgada e o ofensor, condenado. Aqui vemos que não apenas aquele que fomenta a
ira em seu próprio coração, mas o que suscita a ira no próximo, ambos são réus
de juízo, e não há o que se alegar em defesa nem de um, nem de outro.
A negligência em buscar reconciliação, ou rejeitá-la, quando esta é proposta, levará à eventual exclusão do reino dos céus (Mt 18.15-17).
A negligência em buscar reconciliação, ou rejeitá-la, quando esta é proposta, levará à eventual exclusão do reino dos céus (Mt 18.15-17).
Ao
explicar o verdadeiro sentido do mandamento, Jesus demonstra como a graça
proclamada pelo Evangelho e a obediência exigida pela Lei se complementam, na
medida em que esta só pode ser legitimamente cumprida se compreendida à luz e
no espírito daquela.
O espírito da Lei perscruta os pensamentos mais profundos
e sonda as intenções mais íntimas do coração. Não se pode considerar alguém
cumpridor da vontade de Deus, se negligencia as Suas demandas de um
comprometimento sincero e integral com a Sua santidade; tal atitude é
claramente condenada nas Escrituras como hipocrisia.
* Texto cedido por: EBD – 1º. Trimestre de 2017 ASSEMBLÉIA DE DEUS MINISTERIO GUARATINGUETÁ-SP
“AS BEM-AVENTURANÇAS DO REINO”
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