quarta-feira, 8 de março de 2017

O juízo temerário e o discernimento espiritual.

Entrando na seção final do Sermão do Monte, nesta lição o Senhor Jesus passa a fazer diversas considerações acerca da excelência e severidade do reino dos céus, chamando nossa atenção para a imparcialidade de Deus, já revelada no elevado padrão de justiça exigida de Seus súditos, e a ser manifestada no último dia, quando cada uma de nossas obras, desde a sua motivação mais íntima, será provada e pesada na balança do Juiz de toda a terra. Considerando, então, a gravidade do nosso chamado para sermos cidadãos dos céus, e do quanto se exigirá de cada um de nós, o Senhor nos ensina, em primeiro lugar, que não devemos estar prontos para condenar as faltas de nossos companheiros de caminhada, mas antes olhar para nossa própria fragilidade, e assim aprender a ser misericordiosos com o próximo, ajudando-o a levar suas cargas.

A passagem que ora estudamos se inicia com uma proibição de nosso Senhor que, embora categórica, não deve ser entendida de forma absoluta. A palavra julgar é usada em vários sentidos nas Escrituras (1 Co 11.13; Lc 7.43; At 16.15, etc.), mas aqui se refere a condenar, dar sentença de reprovação contra alguém. Jesus não está proibindo o uso da razão iluminada pela verdade para discernir o bem e o mal (Hb 5.14) e condenar as más obras (Ef 5.11), e mesmo ter uma atitude de reprovação para com aqueles que as praticam (Rm 16.17; 1 Co 5.11; 2 Ts 3.6), pois à igreja foi dada tal autoridade, para exercício da disciplina (1 Co 5.4-5; Mt 18.15-18); assim como, no que diz respeito a questões seculares, o próprio Deus estabeleceu magistrados para julgar e condenar os homens pelos seus crimes (cf. Dt 16.18- 20; Rm 13.3, 4).

Cristo está tratando aqui do juízo temerário, isto é, da tendência natural do ser humano de intrometer-se na esfera da individualidade do próximo com Deus, presumindo entender suas motivações e pensamentos, sem maiores investigações ou confirmação de simples suspeitas, e acabando por condená-lo injustamente pela aparência (Lc 12.57; Jo 7.24; cf. Pv 18.13).

Para nos dissuadir desse tipo de julgamento precipitado e injusto contra o nosso próximo, o Senhor nos alerta que tal ato nos expõe, não ao juízo dos homens, mas ao do próprio Deus, perante um servo que condena temerariamente a outro servo não será justificado, mas condenado por presumir um poder que pertence exclusivamente a Deus (cf. Mt 12.37; Rm 14.4, 10-12; Tg 4.11-12) – e essa presunção é diabólica (cf. Jó 1.8-11; Ap 12.10).

Esta palavra também revela a realidade do juízo final, do qual ninguém escapará, mas todos teremos de prestar contas de nossos atos diante de Deus (2 Co 5.10; Cl 3.23-25), inclusive dos nossos mais ocultos pensamentos e motivações (1 Co 4.5).

Jesus apresenta ainda uma razão para que estejamos em alerta contra o juízo temerário, que é a regra áurea do nosso relacionamento com o próximo, como tivemos oportunidade de estudar em lições anteriores: seremos tratados pelo mesmo critério de que nos servimos para tratar os outros. Se nosso julgamento é rigoroso, severo em condenar a partir do entendimento que temos sobre a verdade, não devemos esperar ser julgados por Deus em um nível inferior (cf. Mc 4.24, 25; Lc 12.47, 48).

Certamente esta é uma exortação à misericórdia, quando consideramos as faltas alheias, pois é pela misericórdia que nós mesmos seremos livrados da severidade do juízo de Deus (Lc 6.37-38; Tg 2.13; cf. Mt 5.7).

Longe de proibir toda forma de discriminação quanto ao que é certo e errado, e de censura ou disciplina sobre aqueles que laboram em erro, vimos que nesta passagem o Senhor Jesus está condenando tão somente o juízo temerário, que procede de uma presunção de superioridade em relação ao próximo, e que se baseia em um rigor que exclui toda misericórdia. Cristo aponta agora outro aspecto do espírito maligno que leva a esse tipo de julgamento: a hipocrisia. É uma tendência natural do homem decaído investigar a vida do próximo em busca de faltas, quando ele mesmo anda em erro, particularmente em erros piores do que aqueles que julga no outro, e dos quais ele mesmo tem consciência (Rm 2.1-3).

Essa era a atitude dos fariseus (Mt 12.1-2, 7-8; 23.34), que buscavam em coisas indiferentes razões para condenar os outros. Através de uma comparação, Jesus mostra a parcialidade e desproporção com que age o hipócrita ao julgar o seu próximo, pois um cisco tanto é difícil de ser percebido – precisa ser cuidadosamente procurado – como pouco atrapalha a sua visão; ao passo que a trave é facilmente percebida e bloqueia quase que totalmente a visão. 22 Pela recomendação feita por nosso Senhor, fica evidente que não é errado corrigir a um irmão faltoso, em pecado, desde que primeiro tratemos dos nossos próprios pecados. Não quer dizer que sempre estaremos em maior falta que o próximo, ou que, quando percebemos a falha em outrem, certamente é porque incorremos em falha maior.

Interessar-se pelo bem do próximo é um dever já prescrito na Lei (Lv 19.17). Mas pelo exercício da sinceridade para com Deus, em permitirmos que Ele nos sonde com a Sua verdade e em confessarmos os nossos pecados a Ele (Sl 51.3, 12-13), e da humildade para com o próximo, considerando-nos sujeitos às mesmas fraquezas (1 Co 10.12), aprendemos a tratar o irmão que tenha pecado com amor, misericórdia e temor (Gl 6.1; Jd 22, 23; Tg 5.19, 20); e não com o espírito de hipocrisia que em si é pior do que o pecado que pretendemos condenar, pois caracteriza uma obstinação em relação ao nosso próprio pecado (cf. Rm 2.1, 3, 5-6).

A comparação feita por Cristo no presente verso está em nítida relação com o ensinamento anterior, e através dela nosso Senhor contrapõe, à proibição de julgar temerariamente, a necessidade de um discernimento quanto às coisas pertinentes ao reino dos céus, separando o precioso do vil (Jr 15.19; cf. Lv 10.10), e cuidando para que não sejam tratadas com desprezo por aqueles que não reconhecem o seu valor e excelência. Jesus ensinou, antes, que os hipócritas se preocupam com as faltas de seu próximo, ignorando ou rejeitando tratar dos seus próprios pecados. Aqui vemos que há pessoas, em tais condições, que recusarão qualquer forma de cuidado demonstrado para com a sua própria condição, desprezando a verdade e até mesmo usando de violência para com aqueles que demonstrarem interesse pelo seu próprio bem (Pv 9.8).

Em primeiro lugar, aprendemos qual é a natureza do reino dos céus e de tudo aquilo que nos foi dado pela graça de Deus: são coisas santas e preciosas (pérolas). Depois, entendemos que essa riqueza não pertence apenas a nós, mas somos incumbidos de compartilhá-las com outros – pois, se Ele proíbe de dá-las a alguns, é porque é possível e necessário dá-las a outros, em tempo oportuno (cf. Mt 13.52; 28.20). Por último, somos ensinados acerca da natureza de certos homens que, mediante a oferta de um bem tão grandioso e glorioso, se sentirão ofendidos em sua miséria e desprezo, e incitados à atitude insana de rejeitar a verdade e se levantar contra os que a pregam. Tanto o cão como o porco são animais impuros segundo a Lei e, no contexto do mundo antigo, caracterizados por hábitos impuros (cf. 2 Pe 2.22); particularmente o cão era considerado um animal indigno, desprezível (cf. 1 Sm 17.43; 2 Rs 8.13).

Por um lado, é verdade que todos nós éramos inimigos de Deus (Cl 1.21), não sendo melhores do que outros na recepção do Evangelho, pois fomos reconciliados pela Sua graça estando ainda neste estado de rebeldia (Rm 5.8-10) – logo, não éramos melhores do que os cães e porcos de que Jesus trata aqui. Por isso também o Evangelho deve ser pregado a toda a criatura (Mc 16.15). Mas é justamente porque alguns crêem e outros não que devemos discernir a operação da graça de Deus no coração daqueles que ouvem, bem como perceber os sinais que caracterizam uma rejeição obstinada à palavra pregada (Mt 10.11-15). Observamos que o próprio Jesus falava em parábolas com a multidão, mas aos Seus discípulos, que dEle se aproximavam em busca de entendimento, tudo falava claramente (Mt 13.10- 13; Mc 4.34); aos que fechavam seu coração e rejeitavam o testemunho de Suas obras e palavras, Ele recusava multiplicar os sinais, quando não os abandonava (Mt 12.38-39; 13.58; 15.14); e as maiores demonstrações de Seu poder e glória foram feitas em presença dos Seus discípulos amados (Mt 17.1-2; Jo 14.19 – cf. 1 Co 15.5-8), não da multidão.


O reino dos céus nos introduz em uma realidade espiritual, onde somos agraciados com muitos privilégios, mas também incumbidos de grandes responsabilidades que apontam para um dia de juízo em que seremos individualmente julgados por Deus e receberemos de acordo com o teor das nossas obras e do nosso coração. Por isso devemos considerar uns aos outros como cooperadores na caminhada em direção ao mesmo alvo, compadecendo-nos e prontos para ajudarmos nas fraquezas alheias, bem como sermos ajudados em nossas próprias fraquezas (cf. Tg 5.16).

* Texto cedido por: EBD – 1º. Trimestre de 2017 

ASSEMBLÉIA DE DEUS 
MINISTERIO GUARATINGUETÁ-SP
“AS BEM-AVENTURANÇAS DO REINO”

Nenhum comentário:

Postar um comentário