Chegamos
agora a um ponto crucial do Sermão do Monte, em que o Senhor Jesus encerra Suas
considerações e aplicações acerca dos mandamentos da Lei de Deus. As questões
abordadas tratavam do nosso relacionamento com o próximo, e do elevado padrão
de justiça exigido por Deus para que não estejamos sujeitos ao juízo da ira. E
agora o Senhor traz à luz outra verdade encoberta e que constitui a essência e
o fundamento de todos os relacionamentos humanos: a capacidade de sofrer o mal
com abnegação, e de exercer paciência e benignidade até mesmo com aqueles que
nada merecem. Nesta passagem do Sermão vamos aprender o que é ser realmente um
“pacificador”, e o que é “sofrer por causa da justiça”.
Desta
vez, Jesus ensina como entender e aplicar a “lei do talião”. Exarada em
diversas passagens, esta lei em si era de total justiça e equidade, não
permitindo que um crime ou pecado fosse punido de forma desproporcional à sua
gravidade (Lv 24.19, 20). *Além disso, era um princípio que refreava abusos dos
fortes contra os fracos, aplicando-se igualmente a todos os israelitas (Ex
21.23-25; Dt 19.19, 20). **Contudo, os escribas e fariseus faziam desta regra
um pretexto para exercer livremente seus desejos carnais de retaliação
(vingança), contra quaisquer injustiças ou prejuízos que sofressem. E a
vingança, como tal, é fruto da ira humana, que jamais opera a justiça de Deus.
A lei
do talião não se tornou obsoleta, é útil na aplicação da justiça através de
juízes legitimamente constituídos. Deus constitui homens para exercer a
justiça, e lhes dá meios para que executem o castigo, quando necessário, sem
que isto seja considerado vingança pessoal (cf. Dt 32.35). *Por exemplo, Paulo
recorreu à justiça humana constituída por Deus, particularmente quando estava
em jogo a verdade, a causa do Evangelho e a glória de Deus (At 16.35-37; 25.11).
**Mas, quando se trata de satisfazer à nossa disposição natural e carnal de
recebermos reparação contra injustiças sofridas contra nossa pessoa ou nossa
honra ou nossos bens, ou ainda de sermos justificados perante os homens, aí
devemos estar prontos a renunciar, a sofrer o dano, na consciência de que
estamos sob o cuidado de um Deus que é justo e providente e que pode, somente Ele,
exercer vingança (Rm 12.17-19; 1Pe 2.23).
Não
somente isto, mas as situações ilustradas por Cristo na presente passagem
apontam para uma atitude ainda mais
elevada no verdadeiro cidadão do reino dos céus, de não apenas sofrer o mal
real que lhe fazem, mas também de exceder a medida do mal recebido ao mostrar
disposição em suportar ainda mais (cf. Rm 12.20-21). *Entendamos que os males
aqui são oriundos de uma inimizade contra o Evangelho, contra Cristo, mesmo
quando velada. São males injustificados. Nesse caso, o cristão entende que
todas as coisas concorrem para o seu bem, e recebe a maior privação e injustiça
cometida contra ele com a alegria e confiança na bondade de Deus (cf. Rm
8.35-39; Hb 10.32-34).
A
seção seguinte do texto em análise está em íntima relação com a anterior; na
verdade, é a continuação e conclusão daquela
– ali, vimos que é nosso dever sofrer o mal; aqui, veremos que é nosso
dever amar os que nos fazem mal. Os escribas e fariseus, pervertendo o
mandamento: “amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Lv 19.18), limitavam o
próximo apenas aos de sua própria nação, especialmente aqueles com os quais
mantinham bom relacionamento. *Jesus, porém, na ordem: “amai a vossos inimigos”,
expõe a verdadeira extensão da palavra, já entrevista na própria Lei: o “próximo”
era todo aquele com quem o israelita tivesse qualquer relacionamento, seja bom
ou ruim: o estrangeiro (Lv 19.33, 34), o irmão em litígio. **A expressão: “odiarás
o teu inimigo” simplesmente não era um mandamento divino, mas antes uma
distorção do que diziam as Escrituras (cf. Dt 23.4, 5; Pv 25.21).
Nossa
atitude em relação ao mal é não apenas negativa, de sofrê-lo com resignação, e
de não retribuir ao malfeitor na “mesma moeda”. Mas é necessário pagar o mal
com o bem (Rm 12.20-21). E esse amor não deve ser apenas aparente, nem formal,
tampouco reservado a momentos em que o cristão possa ser notado por outros ou
pelo próprio inimigo – como uma espécie de interesse em ter sua atitude
reconhecida como superior à daquele que o aborrece. É expresso, sim, na
manifestação exterior de bênçãos desejadas (“bendizei aos que vos maldizem”),
bem como de benefícios realizados em seu favor (“fazei bem aos que vos odeiam”).
Mas, ultrapassando essas oportunidades, é um amor que se revela sincero e de
coração por ser expresso no relacionamento mais íntimo do cristão com Deus, na
oração em favor do inimigo.
É
característica e sinal de que somos filhos de Deus se temos e demonstramos esse
amor desinteressado, que não espera ser reconhecido pelos homens, muito menos
retribuído, pois assim é o amor de Deus em relação à grande massa da humanidade
que O desconhece e O despreza – todos os benefícios físicos e materiais
advindos ao homem, seja qual for o seu relacionamento com Deus, são expressões
sinceras do Seu amor pela criação, e não são retirados nem diminuídos em função
do quanto o ser humano possa reconhece-los ou retribuir a Deus por eles (cf. Lc
6.35).
Nos
versos em apreço, Jesus propõe uma nova razão pela qual devemos amar nossos
inimigos, e não apenas aqueles que nos amam e nos fazem o bem, aos quais nosso
interesse particular nos levaria a amar mais facilmente. Tão natural e sem
mérito é esse tipo de amor que não era difícil de ser encontrado até mesmo
entre os publicanos, aqui tomados para ilustrar uma classe de pessoas
desprezadas pelo povo (Mt 9. 10, 11). *Os escribas e fariseus definiam a
prática do amor exigida na Lei de um modo conveniente e cômodo ao seu caráter
corrupto e perverso, limitando-o a um amor egoísta que em nada se assemelhava
ao amor de Deus.
Como
no princípio dessa seção do Sermão do Monte, onde vimos que a nossa justiça
deve exceder a dos escribas e fariseus, se havemos de entrar no reino dos céus
(Mt 5.20), agora também o Senhor volta a estabelecer um contraste entre os
súditos do Seu reino e os demais homens, sejam quais forem seus distintivos e
classes. Dos Seus discípulos, Cristo exige mais, tanto no amor como em todos os
demais aspectos de sua conduta – se agimos como qualquer outro homem agiria, “que
fazemos de mais?” Tal atitude não corresponde à excelência e relevância (nas
figuras do sal da terra e da luz do mundo) que se espera de nós.
Elevando
ainda mais o padrão da justiça divina, Jesus afirma que o que se espera de nós
é que sejamos perfeitos, como é o próprio Deus, no exercício do amor e de Seus
atributos divinos. Mas, entendamos também esta cobrança à luz da obra da graça
e da nova criação em Cristo, em quem somos misericordiosamente aceitos em nossa
limitação; e ao mesmo tempo que capacitados poderosamente nEle para todas as
coisas (Fp 4.13). *Tanto assim que não podemos nos gloriar de nossos sucessos
na caminhada cristã, pois, mesmo quando tivermos feito tudo o que Ele requer de
nós, só teremos o direito de dizer: “Somos servos inúteis, porque fizemos
somente o que devíamos fazer” (Lc 17.7-10).
A
caminhada cristã exige constante renúncia: aos nossos pecados, aos nossos padrões
de conduta relativos, egoístas e inconstantes – enfim, ao nosso “eu” na sua
totalidade. Este é o primeiro passo para entendermos a profundidade e
excelência da justiça e santidade de Deus, e para alcançarmos graça para nos
conformarmos a esse elevado padrão, e assim começarmos a viver e a provar a
verdadeira alegria, o pleno contentamento e a firme certeza de que somos filhos
de Deus.
* Texto cedido por: EBD – 1º. Trimestre de 2017
ASSEMBLÉIA DE DEUS
MINISTERIO GUARATINGUETÁ-SP
ASSEMBLÉIA DE DEUS
MINISTERIO GUARATINGUETÁ-SP
“AS BEM-AVENTURANÇAS DO REINO”
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