terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

A justiça de Deus e a perfeição.

Chegamos agora a um ponto crucial do Sermão do Monte, em que o Senhor Jesus encerra Suas considerações e aplicações acerca dos mandamentos da Lei de Deus. As questões abordadas tratavam do nosso relacionamento com o próximo, e do elevado padrão de justiça exigido por Deus para que não estejamos sujeitos ao juízo da ira. E agora o Senhor traz à luz outra verdade encoberta e que constitui a essência e o fundamento de todos os relacionamentos humanos: a capacidade de sofrer o mal com abnegação, e de exercer paciência e benignidade até mesmo com aqueles que nada merecem. Nesta passagem do Sermão vamos aprender o que é ser realmente um “pacificador”, e o que é “sofrer por causa da justiça”.

Desta vez, Jesus ensina como entender e aplicar a “lei do talião”. Exarada em diversas passagens, esta lei em si era de total justiça e equidade, não permitindo que um crime ou pecado fosse punido de forma desproporcional à sua gravidade (Lv 24.19, 20). *Além disso, era um princípio que refreava abusos dos fortes contra os fracos, aplicando-se igualmente a todos os israelitas (Ex 21.23-25; Dt 19.19, 20). **Contudo, os escribas e fariseus faziam desta regra um pretexto para exercer livremente seus desejos carnais de retaliação (vingança), contra quaisquer injustiças ou prejuízos que sofressem. E a vingança, como tal, é fruto da ira humana, que jamais opera a justiça de Deus.

A lei do talião não se tornou obsoleta, é útil na aplicação da justiça através de juízes legitimamente constituídos. Deus constitui homens para exercer a justiça, e lhes dá meios para que executem o castigo, quando necessário, sem que isto seja considerado vingança pessoal (cf. Dt 32.35). *Por exemplo, Paulo recorreu à justiça humana constituída por Deus, particularmente quando estava em jogo a verdade, a causa do Evangelho e a glória de Deus (At 16.35-37; 25.11). **Mas, quando se trata de satisfazer à nossa disposição natural e carnal de recebermos reparação contra injustiças sofridas contra nossa pessoa ou nossa honra ou nossos bens, ou ainda de sermos justificados perante os homens, aí devemos estar prontos a renunciar, a sofrer o dano, na consciência de que estamos sob o cuidado de um Deus que é justo e providente e que pode, somente Ele, exercer vingança (Rm 12.17-19; 1Pe 2.23).

Não somente isto, mas as situações ilustradas por Cristo na presente passagem apontam  para uma atitude ainda mais elevada no verdadeiro cidadão do reino dos céus, de não apenas sofrer o mal real que lhe fazem, mas também de exceder a medida do mal recebido ao mostrar disposição em suportar ainda mais (cf. Rm 12.20-21). *Entendamos que os males aqui são oriundos de uma inimizade contra o Evangelho, contra Cristo, mesmo quando velada. São males injustificados. Nesse caso, o cristão entende que todas as coisas concorrem para o seu bem, e recebe a maior privação e injustiça cometida contra ele com a alegria e confiança na bondade de Deus (cf. Rm 8.35-39; Hb 10.32-34).

A seção seguinte do texto em análise está em íntima relação com a anterior; na verdade, é a continuação e conclusão daquela  – ali, vimos que é nosso dever sofrer o mal; aqui, veremos que é nosso dever amar os que nos fazem mal. Os escribas e fariseus, pervertendo o mandamento: “amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Lv 19.18), limitavam o próximo apenas aos de sua própria nação, especialmente aqueles com os quais mantinham bom relacionamento. *Jesus, porém, na ordem: “amai a vossos inimigos”, expõe a verdadeira extensão da palavra, já entrevista na própria Lei: o “próximo” era todo aquele com quem o israelita tivesse qualquer relacionamento, seja bom ou ruim: o estrangeiro (Lv 19.33, 34), o irmão em litígio. **A expressão: “odiarás o teu inimigo” simplesmente não era um mandamento divino, mas antes uma distorção do que diziam as Escrituras (cf. Dt 23.4, 5; Pv 25.21).

Nossa atitude em relação ao mal é não apenas negativa, de sofrê-lo com resignação, e de não retribuir ao malfeitor na “mesma moeda”. Mas é necessário pagar o mal com o bem (Rm 12.20-21). E esse amor não deve ser apenas aparente, nem formal, tampouco reservado a momentos em que o cristão possa ser notado por outros ou pelo próprio inimigo – como uma espécie de interesse em ter sua atitude reconhecida como superior à daquele que o aborrece. É expresso, sim, na manifestação exterior de bênçãos desejadas (“bendizei aos que vos maldizem”), bem como de benefícios realizados em seu favor (“fazei bem aos que vos odeiam”). Mas, ultrapassando essas oportunidades, é um amor que se revela sincero e de coração por ser expresso no relacionamento mais íntimo do cristão com Deus, na oração em favor do inimigo.

É característica e sinal de que somos filhos de Deus se temos e demonstramos esse amor desinteressado, que não espera ser reconhecido pelos homens, muito menos retribuído, pois assim é o amor de Deus em relação à grande massa da humanidade que O desconhece e O despreza – todos os benefícios físicos e materiais advindos ao homem, seja qual for o seu relacionamento com Deus, são expressões sinceras do Seu amor pela criação, e não são retirados nem diminuídos em função do quanto o ser humano possa reconhece-los ou retribuir a Deus por eles (cf. Lc 6.35).

Nos versos em apreço, Jesus propõe uma nova razão pela qual devemos amar nossos inimigos, e não apenas aqueles que nos amam e nos fazem o bem, aos quais nosso interesse particular nos levaria a amar mais facilmente. Tão natural e sem mérito é esse tipo de amor que não era difícil de ser encontrado até mesmo entre os publicanos, aqui tomados para ilustrar uma classe de pessoas desprezadas pelo povo (Mt 9. 10, 11). *Os escribas e fariseus definiam a prática do amor exigida na Lei de um modo conveniente e cômodo ao seu caráter corrupto e perverso, limitando-o a um amor egoísta que em nada se assemelhava ao amor de Deus.

Como no princípio dessa seção do Sermão do Monte, onde vimos que a nossa justiça deve exceder a dos escribas e fariseus, se havemos de entrar no reino dos céus (Mt 5.20), agora também o Senhor volta a estabelecer um contraste entre os súditos do Seu reino e os demais homens, sejam quais forem seus distintivos e classes. Dos Seus discípulos, Cristo exige mais, tanto no amor como em todos os demais aspectos de sua conduta – se agimos como qualquer outro homem agiria, “que fazemos de mais?” Tal atitude não corresponde à excelência e relevância (nas figuras do sal da terra e da luz do mundo) que se espera de nós.

Elevando ainda mais o padrão da justiça divina, Jesus afirma que o que se espera de nós é que sejamos perfeitos, como é o próprio Deus, no exercício do amor e de Seus atributos divinos. Mas, entendamos também esta cobrança à luz da obra da graça e da nova criação em Cristo, em quem somos misericordiosamente aceitos em nossa limitação; e ao mesmo tempo que capacitados poderosamente nEle para todas as coisas (Fp 4.13). *Tanto assim que não podemos nos gloriar de nossos sucessos na caminhada cristã, pois, mesmo quando tivermos feito tudo o que Ele requer de nós, só teremos o direito de dizer: “Somos servos inúteis, porque fizemos somente o que devíamos fazer” (Lc 17.7-10).


A caminhada cristã exige constante renúncia: aos nossos pecados, aos nossos padrões de conduta relativos, egoístas e inconstantes – enfim, ao nosso “eu” na sua totalidade. Este é o primeiro passo para entendermos a profundidade e excelência da justiça e santidade de Deus, e para alcançarmos graça para nos conformarmos a esse elevado padrão, e assim começarmos a viver e a provar a verdadeira alegria, o pleno contentamento e a firme certeza de que somos filhos de Deus.

* Texto cedido por: EBD – 1º. Trimestre de 2017 

ASSEMBLÉIA DE DEUS 
MINISTERIO GUARATINGUETÁ-SP
“AS BEM-AVENTURANÇAS DO REINO”

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