Neste
e nos próximos capítulos, o apóstolo Paulo orienta os coríntios sobre o uso que
podiam ou não fazer de alimentos oferecidos aos ídolos. Na lição de hoje
veremos, nos capítulos 8 e 9, como ele estabelece o amor ao próximo como o
limite da nossa liberdade, e em si mesmo oferece o exemplo de resignação dos
seus próprios direitos, por amor às almas daqueles a quem devia pregar o
evangelho, para que nada servisse de embaraço ou escândalo no seu ministério.
Respondendo
ainda a questões propostas pelos irmãos de Corinto, Paulo lida com a questão
das “coisas sacrificadas aos ídolos”. Os gentios geralmente sacrificavam
animais em honra aos seus falsos deuses, e era muito comum participar de
banquetes onde as carnes desses animais eram servidas, sejam nos próprios
templos, seja comprando-as em açougues e servindo-as em casa (cf. 10.25, 27). À
ideia de se alimentar desses sacrifícios estava associada a crença de que os
participantes naquele momento desfrutavam de comunhão e da benção da
“divindade”.
Mas
os crentes coríntios, que sabiam destas coisas, também sabiam, graças à
revelação do evangelho, que “o ídolo nada é no mundo, e que não há outro Deus,
senão um só” (v. 4). Assim que, para eles, o alimento em si era tão comum como
qualquer outro. Comiam, então, com a consciência tranquila. Paulo confirma a
verdade de que “há um só Deus, o Pai” e “um só Senhor, Jesus Cristo” (v. 6),
mas o seu tom é de repreensão sobre a maneira como aplicavam esse conhecimento
à sua prática.
O
apóstolo explica que o conhecimento sem o amor é mais prejudicial do que
benéfico, porque, sozinha, “a ciência incha” (v. 1), ao passo que “o amor
edifica”. Ou seja, além do conhecimento divino revelado no evangelho, é
necessário recebermos o amor de Deus para praticarmos esse conhecimento no seu
verdadeiro espírito. Por isso, “se alguém ama a Deus”, andando de acordo com a
medida de conhecimento que recebeu, “esse é conhecido dele” (v. 3). E será o
apóstolo quem apresentará os elementos que lhes faltavam para a compreensão
adequada de todo o assunto.
A
questão das coisas sacrificadas aos ídolos, ao contrário do que os coríntios
pensavam, não podia ser resolvida apenas pela consciência particular de cada
um. Não bastava saber que o ídolo nada é. O problema estava na consciência
alheia – por isso sem o amor seria impossível ter uma visão apropriada de toda
a questão. “Nem em todos há conhecimento” (v. 7), ou seja, havia cristãos novos
ou ainda fracos na fé, cuja consciência precisava se fortalecer melhor em
graça. Estes não podiam seguir o exemplo dos mais “fortes”, comendo carnes de
sacrifícios, sem se sentirem culpados de honrar os ídolos, ficando com “a
consciência contaminada” e “perecerá o irmão fraco, pelo qual Cristo morreu”
(v. 11).
Como
disse o apóstolo em outro lugar, num contexto muito semelhante, “aquele que tem
dúvidas, se come está condenado, porque não come por fé; e tudo o que não é de
fé é pecado” (Rm 14.23). Por outro lado, Paulo está repreendendo aqui não os
fracos, que não se sentiam seguros para comer qualquer coisa sem culpa, mas os
que, considerando-se mais fortes, comiam à mesa dos ídolos indiferentes ao
escândalo que estavam provocando nas consciências alheias, induzindo-os a
pecar: “pecando assim contra os irmãos, e ferindo a sua fraca consciência,
pecais contra Cristo” (v. 12). E, como disse o Senhor Jesus: “Qualquer que
escandalizar um destes pequeninos, que crêem em mim, melhor lhe fora que se lhe
pendurasse ao pescoço uma mó de azenha, e se submergisse na profundeza do mar”
(Mt 18.6).
A
solução proposta por Paulo parece radical, mas é a única em que a verdade, ou a
fé, “opera pelo amor” (Gl 5.6): “se a comida escandalizar a meu irmão, nunca
mais comerei carne, para que meu irmão não se escandalize” (v. 13). Em outras
palavras, ainda que eu tenha plena consciência da minha liberdade em Cristo,
essa liberdade está condicionada à consciência que o próximo tem da minha liberdade
– a minha liberdade vai até onde vai a liberdade do meu irmão e do mais fraco.
Se isto nos parece duro demais, na sequência veremos como o apóstolo nos
incentiva oferecendo-se a si mesmo como um contundente exemplo de resignação.
O
propósito das considerações que o apóstolo faz neste capítulo tanto é de
exortar os coríntios à vivência do que acabara de ensinar, como também pontuar
as características exclusivas do seu ministério, que deveriam calar quaisquer
insinuações em contrário que porventura alguém levantasse contra a sua
integridade e dedicação. Para isto, ele menciona os privilégios que havia
recebido pela graça de Deus, inclusive o ter visto ao Senhor Jesus; a
confirmação divina do seu ministério, visível nos próprios coríntios, salvos em
Cristo (vv. 1-3). E, apesar de tudo isso, ele abrira mão de direitos que outros
apóstolos usufruíam sem recriminações, como casar-se (v. 5) e deixar o trabalho
secular para dedicar-se inteiramente ao ministério da palavra (v. 6). Para
sublinhar sua abnegação, apresenta o testemunho da Escritura em favor dos seus direitos
como ministro do evangelho, que resume na expressão do próprio Senhor: “Assim
ordenou também o Senhor aos que anunciam o evangelho, que vivam do evangelho”
(v. 14).
Para
entendermos por quê, então, o apóstolo abriu mão dos seus direitos mais
inquestionáveis, precisamos considerar que, no caso particular de Paulo,
qualquer coisa poderia ser usada pelos seus opositores para difamar e caluniar
seu ministério, embaraçando o caminho daqueles aos quais ele pregava. Chamado
para anunciar o evangelho tanto a judeus como gentios, ele se propôs fazer de
tudo para “por todos os meios, chegar a salvar alguns” (v. 22), sabendo que,
abrindo mão de seus privilégios, ele poderia “ganhar ainda mais” (v. 19). Além
disso, ele vislumbrava o ministério como o supremo propósito de Deus para a sua
vida, para o qual todo o esforço, todo o empenho, toda a renúncia, valeria a
pena, pois isto seria glória para ele, no presente, e, no porvir, recompensa e
coroa de vitória (vv. 24-25).
Que
o segundo maior mandamento é amar ao próximo como a si mesmo, todos sabemos.
Mas, quando somos chamados a renunciar aquilo que temos por direito nosso, em
benefício do outro, aí podemos provar se realmente o amamos e saber se estamos
mais próximos do exemplo não só de Paulo, mas do próprio Senhor Jesus, que
abriu mão de tudo por amor de nós.
Texto cedido por: EBD – 3º. Trimestre de 2018
1ª CARTA AOS CORÍNTIOS
MINISTÉRIO GUARATINGUETÁ-SP
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