Na
sequência da repreensão à falta dos coríntios em admitir na comunhão da igreja
uma pessoa de conduta moral reprovável, o apóstolo Paulo passa à consideração
de outros erros graves que se cometiam naquele meio. Em um senso de justiça
egoísta e em nome de uma liberdade que nada mais era que servidão às paixões
carnais, esses irmãos pecavam contra a verdadeira justiça e liberdade cristã.
A
questão de que Paulo agora trata em sua epístola é oportuno. No caso do
incestuoso que precisava ser excluído da comunhão, ele havia apelado à
autoridade que o Senhor havia conferido à igreja para julgar as causas que
surgissem no meio dela: “Não julgais vós os que estão dentro?” (5.12). E aqui
esta autoridade é ampliada, nos termos de que os santos “hão de julgar o mundo”
(v. 2) e até “os anjos” (v. 3). À luz do que já temos estudado, podemos dizer
que a igreja do Senhor Jesus está em uma posição muito elevada em relação a
toda a criação (3.22-23), e que a sabedoria e justiça manifestada nos fiéis
servirão de critério para, naquele dia, condenar todos quantos não se
conformarem ao mesmo padrão (cf. Hb 11.7).
Contudo,
os coríntios se esqueciam de que, sendo incumbidos por Deus com tão grande
autoridade para julgar as coisas espirituais, poderiam muito bem julgar entre
si mesmos “as coisas mínimas”, “as coisas pertencentes a esta vida”. A
princípio, o problema não era um cristão apelar para os magistrados seculares
porque sua disputa era com um incrédulo que não aceitaria o juízo da igreja.
Mas, apelar para os tribunais seculares para resolver uma disputa com outro
cristão representava um duplo problema: “o irmão vai a juízo com o irmão, e
isto perante infiéis” (v. 6). Primeiro, porque o juízo nesses tribunais era
estabelecido por magistrados incrédulos, cujos critérios para tomar suas
decisões se baseavam numa percepção natural da moral e justiça. E qualquer
relacionamento entre cristãos, mesmo os mais mundanos e naturais, deve se
pautar sobre a ética e sabedoria divinas.
Mas
já era um problema o simples fato de haver entre os irmãos disputas que
exigissem a intervenção de um juiz, mesmo que de dentro da própria igreja: “Na
verdade é já realmente uma falta entre vós, terdes demandas uns contra os
outros” (v. 7). O egoísmo e a ambição natural do ser humano, que já se
mostravam nas disputas e vanglórias dos coríntios, afloravam quando a questão
envolvia aquilo que cada um considerava seu e de seu direito. E o que levava um
crente ao erro de buscar a justiça secular era o erro de outro crente praticar
a injustiça, o dano, contra o seu próprio irmão. Paulo repreende o
comportamento carnal de ambos sobre o argumento da mais clara e básica regra
cristã da humildade e sujeição de uns aos outros: “Por que não sofreis antes a
injustiça? Por que não sofreis antes o dano?”, conforme ensinado e
exemplificado pelo próprio Senhor Jesus (cf. Mt 5.38-42; Fp 2.3-4).
A
propósito da injustiça que vinha sendo cometida entre os coríntios, de irmão
contra irmão, o apóstolo alerta sobre a gravidade do seu pecado, a partir do
fato de que a sua chamada em Cristo, pelo evangelho, representava exatamente
uma conversão da injustiça para a justiça e santificação. Qualquer forma de
injustiça é incompatível com o reino de Deus, do qual eles haviam sido feitos
herdeiros. “Não erreis” (v. 10) é uma forma de Paulo chamar a atenção deles
para a sua conduta atual, que não condizia com o seu chamado, mas com as
injustiças que cometiam antes de conhecerem a Cristo Jesus.
De
fato, alguns deles haviam sido devassos, idólatras, adúlteros, efeminados,
sodomitas, ladrões, avarentos, bêbados e maldizentes – típicos cidadãos de
Corinto. Contudo, pela graça de Deus, pela lavagem, justificação e santificação
que há na cruz de Cristo, aplicada na vida do homem pelo poder do Espírito de
Deus, todas essas injustiças haviam sido devida e eficazmente removidas da
conta dos coríntios perante Deus, e eles haviam sido habilitados a se conduzir
de um modo digno do evangelho.
Embora
pareça tratar de um novo assunto, Paulo prossegue descrevendo e aplicando a
devida correção às injustiças que se cometiam entre os coríntios. Agora, ele se
volta para a imoralidade ou impureza sexual, tratando-se de forma mais ampla e
abrangente do que fez com o caso isolado no capítulo anterior. Primeiro,
corrige a máxima: “Todas as coisas me são lícitas” (v. 12), possivelmente usada
entre os coríntios para justificar a distorção da liberdade cristã. É verdade
que, em relação às velhas superstições deste mundo e as sombras e figuras da
antiga dispensação, nos alimentos, dias e coisas que não podiam ser manuseadas,
estamos livres e não somos mais constrangidos e guarda-las. Mas ainda há coisas
que “não convém”, ou que podem dominar e escravizar aqueles que fazem mal-uso
delas.
Podemos
notar como era baixo o nível moral dos tempos de Paulo pela maneira incisiva
como os apóstolos precisaram tratar a questão no primeiro concílio da igreja,
em Jerusalém (At 15), onde foi expressamente proibida a “fornicação”, por ser
prática indiferente para os gentios. Em Corinto, Paulo tem de lidar com o abuso
da liberdade cristã, como se a fornicação fosse algo tão natural ao corpo como
os alimentos ao estômago (v. 13). Por isso, em segundo lugar, o apóstolo
considera a importância do nosso corpo, e do destino glorioso que Deus lhe
reservou. O corpo é necessário em santificação agora, para a expressão da nossa
comunhão e vida com Deus – nosso corpo é o “templo do Espírito Santo” (v. 19).
O
pecado da fornicação torna-se particularmente grave, pois é um atentado direto
contra o corpo, que já não é mais nosso, mas de Cristo: “Tomarei, pois, os
membros de Cristo, e os farei membros de uma meretriz? Não, por certo” (v. 15).
Embora todo pecado seja cometido através do corpo, e muitos sejam prejudiciais
para a própria integridade física (como a glutonaria, a embriaguez), a
fornicação é um pecado no qual o corpo é entregue a outro, que não o Senhor:
“Porque serão, disse, dois numa só carne” (v. 16). E isto é uma afronta à
comunhão e unidade que há entre o cristão, em seu espírito, e o Senhor. É tirar
de Deus o que Lhe pertence, e pelo que Ele pagou “bom preço” (v. 20), e
entregar a outro. Para reforçar a gravidade desse pecado, ele usa a comparação
já empregada anteriormente, agora dizendo que não apenas a igreja, de um modo geral,
mas cada um de nós, em nosso corpo, somos templo do Espírito Santo.
Deus
nos chamou para a justiça e santificação. Pela graça de nosso Senhor Jesus,
fomos purificados de todas as injustiças e impurezas que cometemos no passado
para vivermos agora uma vida digna do Evangelho. Como alertou o apóstolo, não
erremos, confundindo a liberdade que há em Cristo com a libertinagem em que
muitos crentes têm incorrido. Quaisquer que sejam as desculpas e justificativas
apresentadas para esses abusos, a lei evangélica permanece, de que os injustos
não herdarão o reino de Deus.
Texto cedido por: EBD – 3º. Trimestre de 2018
1ª CARTA AOS CORÍNTIOS
MINISTÉRIO GUARATINGUETÁ-SP
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