Após declarar qual é o caráter e a felicidade daqueles que hão de herdar o reino dos céus, o Senhor Jesus notificou aos Seus discípulos que eles mesmos são esses indivíduos mui felizes e abençoados. Em razão disso, eles são como sal e luz para a humanidade, e as virtudes dessa nova natureza, divina e espiritual, devem ser expressas através de boas obras que glorifiquem a Deus diante dos homens.
Seguindo esta linha de raciocínio, o Senhor agora vai explicar que o
Seu ensinamento não está em desacordo com a Lei de Deus, como alguns poderiam
pensar; tampouco acrescenta a ela inovações; mas antes confirma os seus santos
e justos preceitos, e conduz o homem à rejeição de toda justiça própria e
falsa, e à prática da verdadeira justiça – a justiça perfeita do reino dos
céus.
Jesus
conhecia os pensamentos tanto dos Seus discípulos como da multidão (Lc 9.47), e
por isso não é sem motivo que ele inicia Suas próximas palavras deste sermão
advertindo-os para que não considerassem Seus ensinamentos contrários às
Escrituras, de um modo geral, nem os valores do reino por Ele anunciado em
desacordo com os preceitos divinos exarados na Lei, em particular. Sabemos que
o ministério de Cristo era impiedosamente questionado e criticado pelos
escribas e fariseus, que procuravam razões para acusa-lO, especialmente de
transgredir ou de ser contrário à Lei de Moisés (Lc 6.7).
Mais tarde, esse tipo
de acusação também seria falsamente imputado aos Seus discípulos (At 6.13, 14).
A fim de remover qualquer suspeita e esclarecer a identidade perfeita entre as
boas novas do reino e a Lei de Deus, o próprio Jesus se identifica como aquele
que veio para cumprir tudo o que Deus havia dito no passado, seja na lei ou nos
profetas.
Cristo cumpriu a Lei em todas as suas demandas, não apenas ao nascer
e viver como um israelita (Gl 4.4, 5), prestando Ele mesmo perfeita obediência
a essa Lei; mas também ao sofrer e morrer pelos pecados de Seu povo (2 Co 5.21;
Gl 3.13), satisfazendo plenamente à justiça divina. Considerando que a Lei
consiste ainda de preceitos e ordenanças cerimoniais (como ofertas e
sacrifícios, dias solenes e festivos, etc.), Cristo também a cumpriu
perfeitamente, sendo Ele a realidade e imagem exata das coisas prefiguradas
nessas cerimônias (cf. Jo 1.29; 1 Co 5.7).
E, por fim, quando Jesus diz que
veio cumprir também os profetas, só podemos entender isto como uma clara
confissão de que Ele era o Messias prometido (Lc 24.27, 44). Ao declarar por
que veio para cumprir a lei ou os profetas, o Senhor Jesus ratifica e presta
Sua solene homenagem às Escrituras, afirmando sua imutabilidade e autoridade.
Esta maravilhosa reverência que nosso Senhor demonstra pela Palavra de Deus
pode ser verificada ao longo de Seu ministério, sempre argumentando respaldado
pelos oráculos divinos, e encontrando Seu sustento e conforto em toda a palavra
de Deus (Mt 4.3-10). Além disso, ao afirmar que Ele vem cumprir todas as
coisas, não isenta a ninguém dessa responsabilidade para com a lei e os
profetas, pois estes continuam em vigor enquanto existirem esses céus e terra.
Uma
vez declarado o compromisso de Cristo com a lei e os profetas, para deixar
ainda mais claro que as boas novas do reino não isentavam Seus súditos das
reivindicações da lei divina, Ele apresenta, como consequência lógica do que
disse antes, que, na sua relação com a Lei de Deus, os discípulos não podem ser
diferentes do Mestre. O verdadeiro súdito do reino dos céus tem o mesmo nível
de compromisso com todos os mandamentos da Lei; enquanto aqueles que não
demonstram a mesma inclinação, e amor, e zelo por essa lei não fazem parte do
reino, ainda que sejam até mesmo chamados ou se considerem mestres da lei. Não
é difícil perceber nas palavras: “qualquer, pois, que violar um destes
mandamentos, por menor que seja, e assim ensinar aos homens”, uma alusão aos
escribas e fariseus, que eram considerados doutores e piedosos praticantes da
Lei.
Mas, apesar da aparência de zelosos por Deus, eram especialistas em criar
interpretações elaboradas, e meios sutis para se evadirem às proibições ou
ordenanças da lei divina; também faziam distinção entre mandamentos, como se
houvesse maiores e menores, uns mais dignos de ser obedecidos do que outros (Mt
15.1-6; Mt 23.23). Mas nenhuma ordem ou preceito divino é pequeno, nem
insignificante; todos são igualmente importantes e complementam-se como uma
revelação perfeita da justiça divina. Por isso não se pode quebrantar um sem
comprometer todos os demais (Tg 2.10). Com tal atitude, os escribas e fariseus
desprezavam a Lei de Deus, e por isso seriam igualmente tratados – como
desprezíveis e insignificantes – ante a revelação da verdadeira justiça no
reino dos céus.
Ou seja, ficariam de fora do reino, assim como aqueles que eram
ensinados por eles (Mt 23.13, 15). 6 O discípulo de Cristo, assim como seu
Mestre, mostra toda a reverência, zelo e comprometimento com todos e cada um
dos mandamentos da Lei de Deus. Não há mandamentos menos importantes para ele,
mas todos são grandes, pois procedem da mesma Fonte, e todos são igualmente
imutáveis e obrigatórios (Tg 2.11). Alguns se cumprem na realidade do próprio
reino de Deus, e o cristão os obedece pelo simples fato de ser participante
desse reino (Cl 2.16, 17); outros impõem a necessidade de se obedecê-los
ativamente (Mt 19.17). De qualquer modo, somente fazem parte do reino dos céus
– somente são considerados grandes – aqueles que tanto cumprem como ensinam
todos os mandamentos da Lei.
A
declaração deste verso confirma que Jesus vem contrastando a prática dos
escribas e fariseus, considerada impropriamente pelos homens como “justiça”, e
aquela que se requer dos que hão de herdar o reino dos céus.
Os líderes da
nação israelita não tinham justiça nenhuma, uma vez que ao homem natural é
impossível ser justo diante de Deus (Rm 3.10): suas obras são manchadas e
inutilizadas pela parcialidade, motivações impróprias e pecaminosas, pela
aparência e exterioridade vazia (Pv 21.2, 27). Ao que a religiosidade apenas
acrescenta o pretexto para se enganarem em sua justiça própria (Mt 15.7-9; Lc
16.15). Por outro lado, a justiça do reino de Deus, que excede a dos escribas e
fariseus, porque é a única justiça verdadeira e perfeita, só pode ser alcançada
por obra da graça de Deus, e isto é chamado nas Escrituras de “justificação
pela fé” (Rm 3.21-24).
Trata-se da imputação da justiça perfeita de Cristo na
vida do pecador arrependido, que passa a ser contado como justo e inocente
diante de Deus. Esta é uma das razões pelas quais Jesus veio para cumprir a lei
e os profetas: por causa da nossa necessidade de uma justiça inalcançável pelos
nossos próprios esforços (1 Co 1.30; 2 Co 5.21).
Mas também é preciso salientar
que essa justiça perfeita, embora não seja alcançada por obras, mas concedida
graciosamente através da fé (tudo isto sendo dom de Deus, cf. Gl 2.16; Ef 2.8,
9), não significa que aquele que foi justificado, por nada mais dever perante a
justiça divina, está livre da justiça.
Pelo contrário, agora ele é feito servo
da justiça, não no exterior, mas no interior (Rm 6.15-22); mais ainda, ele
anela e deseja sinceramente a Lei de Deus (Sl 119.20, 40, 48, etc.), e suas
ações são pautadas pelo zelo e temor de não quebrar seus mandamentos (Jo 14.15,
21). Ele não vê nas boas novas do reino uma licença para pecar, para viver sem
lei, tampouco usa de evasivas e desculpas para os seus fracassos e
transgressões (Rm 7.18, 22-23), mas sabe que a própria obediência é obra do
Espírito de Deus, e que começa pela obra interior da justificação (Jr 31.31-33;
Rm 8.3, 4).
A
justiça do reino dos céus não é genérica, superficial, nem subjetiva. Tampouco
é dada aos cristãos liberdade para pecar. Em Cristo Jesus, não apenas nossa
condição é declarada justa, mas somos feitos anelantes e praticantes da
justiça, e as qualidades espirituais excelentes que Deus implantou em nossos
corações necessariamente se manifestam através de obras concretas de obediência
sincera à Lei de Deus. Não há outra forma de demonstrarmos nosso amor e zelo
por Deus, e de nos fazermos como que dignos da Sua consideração e estima.
* Texto cedido por: EBD – 1º. Trimestre de 2017 ASSEMBLÉIA DE DEUS MINISTERIO GUARATINGUETÁ-SP
“AS BEM-AVENTURANÇAS DO REINO”
Nenhum comentário:
Postar um comentário