Depois
de ensinar os irmãos de uma forma geral a respeito dos dons espirituais, e da
excelência e superioridade do amor fraternal, o apóstolo Paulo volta-se agora
para dois dons cuja manifestação parece ter sido muito frequente naquela
igreja: a profecia e o falar em línguas. Os coríntios precisavam entender que,
no uso dos dons espirituais, o benefício da igreja estava acima do benefício
particular de cada um.
Baseando-se
ainda no argumento do capítulo anterior, em que o amor é o caminho mais
excelente e o crente deve buscar com zelo (pela edificação da igreja) os
melhores dons, o apóstolo compara os dons de profecia e de línguas e aponta o
primeiro como superior e a ser mais almejado do que o segundo. O falar em
línguas pode parecer uma manifestação mais sonora e chamativa, e talvez
interessasse ainda mais aos coríntios, tão impressionáveis com as aparências.
Contudo, o benefício prático deste dom limita-se apenas àquele que o possui, no
seu relacionamento particular com Deus: “Porque o que fala em língua não fala
aos homens, senão a Deus” e “o que fala em língua edifica-se a si mesmo”; ao
passo que a profecia é de utilidade para todos os que a ouvem: “O que profetiza
fala aos homens” e “o que profetiza edifica a igreja” (vv. 2-4). Notemos que
esse benefício é múltiplo: “para edificação, exortação e consolação” (compare
com At 15.32).
O
apóstolo não está menosprezando o dom de línguas, pois esta é uma legítima
manifestação do Espírito Santo, e também pode ser usado para o benefício da
igreja, conforme logo se explicará. Mas ele não queria que os coríntios se
deixassem levar pelo simples efeito causado pela sonoridade do dom, e compara a
impressão produzida pelas línguas nos ouvintes à de instrumentos musicais que
tocam fora de ritmo, ou em desarmonia; e ainda com à da trombeta que não soa o
toque correspondente à ordem apropriada na batalha. Em ambos os casos, há
barulho que chama a atenção, mas não há significado, nem propósito para aqueles
que o ouvem. O mesmo vale para o dom de línguas, considerado em si mesmo: como
ninguém entende o que se fala, não há edificação mútua, e isto é claramente
contraditório com o propósito de Deus para a igreja, no contexto do culto.
Em
seguida, ele orienta os coríntios, especialmente os que falavam em línguas, em
dois sentidos: abundar nos dons – não se contentando apenas com as línguas – e
buscar dons que contribuíssem para a edificação da igreja (v. 12). Para esse
propósito, o dom de línguas precisa ser complementado por algum outro dom, como
a profecia, ou mesmo a interpretação das próprias línguas: “Por isso, o que
fala em língua desconhecida, ore para que a possa interpretar” (v. 13). Mais
uma vez, o apóstolo ressalta que há um benefício espiritual para aquele em quem
se manifesta o dom de línguas, mas o benefício do próximo é mais importante, e
deve ser priorizado na busca dos dons. E ele mesmo dava o exemplo aos
coríntios: “Dou graças ao meu Deus, porque falo mais línguas do que vós todos.
Todavia, eu antes quero falar na igreja cinco palavras na minha própria
inteligência, para que possa também instruir os outros, do que dez mil palavras
em língua desconhecida” (vv. 18-19).
Nos
versos seguintes, Paulo apresenta outro aspecto da questão, que deveria servir
de alerta aos coríntios. A preferência e a ênfase sobre o dom de línguas, em
detrimento de outros dons e, pior, em desconsideração pela necessidade de
procurarem a edificação uns dos outros, era um sinal de imaturidade espiritual.
Não é próprio de crentes maduros na fé adotarem um comportamento que seja
contrário ao entendimento, assim como não é próprio de uma pessoa madura e
sensata se impressionar, como uma criança, com a aparência e o ruído, ao invés
de buscar o sentido do que está vendo e ouvindo. Mais ainda, à luz das
Escrituras (Is 28.11, 12), a falta de entendimento que fica ante a manifestação
do dom de línguas, sem que haja interpretação ou profecia, deve ser entendida
mais como um sinal para os infiéis, no qual Deus manifesta o Seu juízo, ao
invés de bênção ou favor: “Por gente de outras línguas, e por outros lábios,
falarei a este povo; e ainda assim me não ouvirão, diz o Senhor” (v. 21). De
modo que, se na igreja prevalecesse este dom, o efeito seria confirmar os
incrédulos ou infiéis na sua dureza de coração, pois aí diriam que os crentes
estão loucos (v. 23), e rejeitariam o Evangelho.
Por
outro lado, a profecia ou a interpretação das línguas, por trazer entendimento,
é sinal da misericórdia de Deus, que prometeu ensinar o conhecimento até ao
mais simples, enquanto o retiraria dos sábios e grandes deste mundo (cf. Is
28.7-10). Assim que, ante uma assembleia cristã onde todas as coisas são
explicadas e expostas com clareza, entendimento, sabedoria e revelação dos
segredos do coração do homem, não apenas a igreja é edificada, mas os indoutos
e infiéis são compungidos pela palavra, sendo levados ao reconhecimento de que
Deus é quem opera no meio da igreja (v. 25). Notemos que o primeiro derramar do
Espírito em cumprimento à promessa manifestou-se tanto através do falar em
línguas como também da interpretação e profecia, pois a multidão que acorreu
onde os discípulos estavam reunidos os entendia falar, cada um na sua própria
língua, das grandezas de Deus e, se não fosse a exposição de Pedro que se
seguiu, eles teriam se afastado dizendo que estavam todos embriagados (At
2.7-15). Confira também At 10.45-46 e 19.6.
Nas
palavras com que o apóstolo inicia esta seção, podemos considerar não apenas
que todas as coisas feitas no culto devem contribuir para a edificação, mas que
todas as coisas devem ser feitas em harmonia com a vontade e uma legítima
operação do Espírito Santo, pois somente os dons espirituais podem
verdadeiramente edificar a igreja. Mas, além da operação do Espírito, o
apóstolo também considera a necessidade de o culto ser pautado pela ordem,
decência e coerência em todos os seus atos, mostrando que a falta destes
elementos atrapalha, quando não impede, a edificação dos fiéis, mesmo havendo
legítima manifestação dos dons espirituais na igreja.
Percebemos
que o apóstolo prima pela boa compreensão de tudo o que fosse falado na igreja,
pois, no caso dos que tinham o dom de línguas, ele recomenda que falassem um
por vez, e ainda assim numa medida, atentando para a manifestação de outros
dons: “se alguém falar em língua, faça-se isso por dois, ou quando muito três,
e por sua vez” (v. 27). E que isto ocorresse na medida em que houvesse
interpretação: “e haja intérprete. Mas, se não houver intérprete, esteja calado
na igreja, e fale consigo mesmo, e com Deus” (v. 28). Quanto à profecia, valem
os mesmos princípios – cada um falando por sua vez, e pronto a se sujeitar ao
Espírito falando através de outro: “Porque Deus não é Deus de confusão, senão
de paz” (v. 33).
As
recomendações finais de Paulo voltam à questão do lugar da mulher no culto. A
princípio, ele havia ensinado que seria desonroso para a mulher orar ou
profetizar com a cabeça descoberta. Mas agora ele expressamente ordena que as
mulheres estejam caladas nas igrejas, pois “não lhes é permitido falar” (v. 34)
– no culto, naturalmente. Isto é considerado vergonhoso porque falar no culto é
exercer autoridade sobre a igreja, e isto contraria a submissão, modéstia e
recato que convém às santas mulheres de Deus. Para que ninguém entenda
tratar-se de um mero preceito cultural, sujeito às circunstâncias culturais do
apóstolo e da igreja de Corinto, atentemos para a importância que ele mesmo dá
às suas recomendações: “Se alguém cuida ser profeta, ou espiritual, reconheça
que as coisas que vos escrevo são mandamentos do Senhor” (v. 37).
O
propósito de Deus para a igreja é que todos os seus membros sejam edificados
uns pelos outros, através dos dons espirituais. Quando os crentes se reúnem
para buscar a edificação uns dos outros, e não o seu próprio interesse, Deus é
verdadeiramente glorificado e o culto atinge o seu propósito.
Texto cedido por: EBD – 3º. Trimestre de 2018
1ª CARTA AOS CORÍNTIOS
MINISTÉRIO GUARATINGUETÁ-SP
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